Levante as Patas: Se você é forte, não precisa de permissão
O meu 8 de março chegou 21, porque quando dizem "acelera" eu
vou devagar.
Chimamanda Ngozi Adichie
“Ensinamos as meninas a se encolherem
Para se tornarem ainda menores.
Dizemos para meninas:
'Você pode ter ambição,
Mas não muita;
Você deve ansiar para ser bem sucedida,
Mas não muito bem sucedida
Caso contrário, você vai ameaçar o homem'
Porque sou do sexo feminino
Esperam que eu almeje o casamento,
Esperam que eu faça as escolhas da minha
vida
Sempre em mente que
O casamento é o mais importante.
Agora o casamento pode ser uma fonte de
Alegria, amor e apoio mútuo,
Mas por que ensinamos a ansiar ao casamento
E não ensinamos a mesma coisa para os
meninos?
Criamos as meninas para serem concorrentes
Não para empregos ou para conquistas
Que eu acho que podem ser uma coisa boa
Mas, para a atenção dos homens.
Ensinamos as meninas que não podem ser
seres sexuais
Da mesma forma que os meninos são.
Feminista - a pessoa que acredita na vida social
Igualdade política e econômica entre os
sexo.
”
Nascida na cidade de Abba na Nigéria em
15 de setembro de 1977, Filha de secretária e de professor universitário, ambos
profissionais da Universidade da Nigéria, Chimamanda Ngozi Adichie entrou na
lista dos 20 escritores mais influentes do mundo com menos de 40 anos com o segundo
romance, Meio Sol Amarelo. Ela tem apenas 32 anos!
Ao considerarmos que o tempo é a coleira do homem,
vítima algoz de sua própria rotina, decidi levantar as patas! Somente agora
pude perceber, sentir a beleza de se comemorar o dia internacional da mulher
com alguns artigos adicionados por mim de outros autores como por exemplo, The
Edge of Glory – teoria política e feminismo da Jéssica Mayara de Melo
Carvalho da Universidade Federal de São
Paulo/Guarulhos – artigo no qual ela invoca, questiona e contextualiza a
estética monster tão politizada por Lady Gaga.
Espero que gostem também das produções independentes
que seguem a todo vapor, na contagem para o próximo livro Noites em Fúria V.I a ser lançado ainda esse ano.
Mother Monster
segundo o Feminismo
Por detrás das letras carregadas
de simbologia, clipes com grande apelo sexual, shows performáticos e de uma
tecnologia em sonoplastia, esconde-se, Stefani Joanne Angelina Germanotta, e, surge Lady Gaga. Influenciada
pela pop art[1]
de Andy Warhol e em particular, pela performance excêntrica de Freddie Mercury,
o estilo de David Bowie, a postura de Mick Jagger, visual andrógeno de Grace Jones
aliado à revolução musical e estética proposta por Madonna e Michael Jackson,
ícones da pop music. Para a cantora/performer,
o modo como cada um atuava em palco, a música e a estética visual, ditaram
aquilo que ela almejava ser enquanto artista. O nome artístico Lady Gaga,
originário da música ‘’Radio Ga Ga’’ do
grupo Queen, após ser escolhido em 2007, se tornaria recorrente na indústria
musical mundial e nos tabloides sensacionalistas, por seu estilo extravagante,
dividindo opinião do público. Ao decorrer do trabalho, serão realizadas
reflexões sobre o discurso performático de identidade de gênero, postulado pela
teórica feminista estadunidense, Judith Butler. E a partir da análise da
construção de identidade na autora, utilizar como suporte analítico, a
performance desenvolvida pela cantora de Pop, Lady Gaga. Cujo objetivo será visualizar
a forma com que a existência dos corpos está guiada pelos dispositivos da
sexualidade heteronormativa e àqueles que irão ludibriar as normas de
dispositivos culturais e disciplinadores de gênero – o queer.[2]
Conhecida como Mother of Monsters[3], Lady Gaga concretizou ao montar sua
incontestável legião de ‘’Little
Monsters’’ em escala global, todo seu trabalho de estímulo a uma maior
alto-estima e de reforçar a determinação de seus fãs. Denominando-os de
monstrinhos, após a música Monster do álbum The
Fame Monster, 2009. Ganhando uma carreira de sucesso, Gaga tornou-se ícone
da moda e do Movimento Queer, com sua escrita intimista ao utilizar a
problemática da visibilidade e do questionamento crítico sobre a fama, que será
abordado no álbum anterior, The Fame
de 2008. Cada música do álbum tem o papel representativo de um medo da artista,
demonstrando o lado sombrio e ambíguo da fama. Uma dualidade que se
materializará na fragilidade, na teatralidade e na subversão que farão parte em
toda carreira de Lady Gaga.
Os principais singles de The Fame serão os hits Just Dance, Love Game, Paparazzi e Poker
Face. Reconhecidamente, após o lançamento da música Bad Romance[4],
digressão do EP de The Fame,
vídeo de maior acesso da história do site Youtube.com,
a cantora revela seu medo ao monstro do amor, durante o videoclipe, fará
diversas vezes o formato de uma pata com as mãos. O que viria a tornar-se
símbolo do ‘’Put your paws up’’[5],
uma forma de cumprimento entre a cantora e os Little Monsters, e a
partir dessa significação, tornar-se-ia a
Mother Monster pelo fato de considerar seus fãs como parte da sua família,
em que ela teria um papel principal de mãe. Convidando seus fãs a mergulhar em
um universo onírico, alternativo e incitando-os a um olhar inusitado sobre o
mundo, a partir de novas experiências cotidianas. Afirma Lady Gaga:
‘’Eu quero convidar a todos vocês para a festa. Quero que as pessoas se
sintam como parte deste estilo de vida. É uma fama compartilhável”.
Para uma análise da
Pop Star, é preciso uma explicação prévia sobre a questão da performance para
posteriormente, uma melhor visualização da postura adotada por Gaga.
A teoria da
performatividade linguistica, elaborada por John L. Austin, consiste em
um extenso processo de reiteração das palavras para a finalidade de
concretização da concepção sobre as coisas. Dessa maneira, o papel da linguagem
seria a de um discurso formador que engedrasse os objetos, na qual, sua atribuição
seria de instrumentalização formativa e performativa sobre as coisas.
Fundamentalmente, a linguagem instituiria os objetos concebidos anteriormente.
Posteriormente, Butler se
apropria da teoria da performatividade de Austin,
associando-a à fenomenologia
Merleau-Pontyana, para argumentar
a performatividade dos gêneros.
Em Gender Trouble (1990)[6],
será explicitado a concepção de gênero para
autora, enquanto resultado do discurso que formatam nossos corpos
antômicos. Ao passo que
não se nasce homem ou mulher, mas torna-se através da desenvoltura de atos que
irão reiterar o que formará o gênero, questionando então a gênese formadora do
gênero. Ao início do livro, Judith Butler questionará inicialmente a identidade
homogeneizadora da categoria mulher, através da matriz heteronormativa em seu
contexto social, para posteriormente, expor sua teoria performativa de gênero.
‘’[...] Ser mulher
constituiria um ‘’fato natural’’ ou uma performance cultural, ou seria a
‘’naturalidade’’ constituída mediante atos performativos discursivamente
compelidos, que produzem o corpo no interior das categorias de sexo e por meio
delas?’’[7]
Enquanto Simone de Beauvoir, em O
Segundo Sexo, tem como fundamento norteador de seu livro a questão ‘’O que é ser mulher?’’, que diante de
uma perspectiva existencialista, será uma situação constituída e que colocará o
sujeito em determinada posição que possui a necessidade de se projetar sob
alguém para firmar sua existência, em um processo de vitimização e exposta ao
olhar do ‘’Outro’’, o que a tornaria vulnerável a um juízo. O ser mulher
estaria pautado na construção da subjetividade durante o ‘’Tornar-se mulher’’, mediante uma autonomia do sujeito sob uma
compulsão cultural para fazê-lo. E para Beauvoir, a única maneira da mulher
abandonar a posição de vítima, reconhecida como o segundo sexo, seria através
de um reconhecimento mútuo a partir de um olhar similar enquanto sujeito e não
objeto.
O ser mulher para Butler atenderia uma norma do entendimento sobre a
feminilidade, que será encarnada ao sujeito através de normas hegemônicas do
discurso de identidade feminina partilhada, ou seja, um discurso
universalizante sobre a categoria. E que, para ser uma mulher aos moldes
inteligíveis, será necessário a incorporação de algumas perdas[8] de
possibilidades para a construção de uma identidade consistente. Butler
questionará durante sua análise da categoria de mulheres, qual a similaridade
universal partilhada por elas ao serem enquadradas em uma mesma posição, o que
retomará as categorias universais partilhadas por Foucault. Tendo como
consequência uma falha em seu modelo representacional, já que todo e qualquer
tipo de representação, tem um cargo de exclusão de indivíduos no grupo, por
mais abrangente ou específico que ele seja.
Todavia, para um melhor entendimento do conceito de performance em Judith Butler, é necessário o uma compreensão de que anterior a performance, o gênero já possui caráter performativo. Deve ser pontuada a distinção entre o gênero como uma performance e a dimensão performativa do gênero, que não possui uma regularidade delimitada. Não é completamente errôneo categorizar o gênero como performance, caso entenda-se como gênero a atuação a ser desenvolvida, enquanto um fazer, não um atributo possuinte do sujeito anterior ao ‘’estar atuando’’. Contudo, se a conduta performativa for isolada em sua singularidade, pode resultar-se de maneira equivocada ao ser analisada. Pois através do contexto social de inserção da performance dar-se-á a prática social, uma reiteração continuada e constante em que a normatividade de gênero será negociada. A autora destaca que:
“A performatividade não é, assim, um ato singular,
pois ela é sempre uma reiteração de uma norma ou conjunto de normas”[9].
Ao analisar a performatividade de gênero, há
a implicância para o desenvolvimento da atuação reiterada e obrigatória em
função das normais sociais, que se atribuem em manter um tipo de regulamentação
dos comportamentos. Segundo o filósofo francês, Michel Foucault, as normas
desenvolverão papel de disciplinaridade e constituirão o espaço social que
pertencem. Proporcionalmente, a maneira que as normas hegemônicas disciplinares
de poder forem sendo incorporadas pelo sujeito em formação sem uma reflexão
crítica, haverá uma consequente reprodução naturalizada, fruto das relações de
poder consolidadas historicamente, disciplinando os comportamentos
inteligíveis, ou seja, aquele apreendido pela norma e regulando a
heteronormatividade.
Assim, a identidade de gênero será produzida
pela heteronormatividade, na qual, o pressuposto é de que os sujeitos devem ser
heterossexuais e seguir um discurso performático para elucidar essa norma. Ao
desenvolver das praticas performáticas, o sujeito não será dono de seu gênero e
não realizará somente a ‘’performance’’ que irá lhe satisfazer, mas sim,
encontrar-se-á obrigado a desenvolver uma atuação do gênero durante a
performance, em função da tensão de legitimação ou exclusão de uma normativa
genérica no decurso da atuação. E, com o decorrer da vida, o sujeito haverá que
conviver com essa atuação constantemente, até naturalizá-la pela repetição a
fim de estabilizar a identidade de gênero, sob o risco de ser resignificada por
não ser coesa.
A materialidade da norma disciplinar dos
corpos será condicionada pelo sexo, segundo Butler, seu argumento será fundado
no questionamento
sobre a existencia de corpos que não se enquadrariam na linguagem existente, ou
seja, os não-inteligíveis. A partir disso, a teórica pontua que através da
nomeação dos corpos, haverá uma materialização das características de gênero e
deste modo, permitirá a construção do
corpo. Entretanto, para que seja assegurado o desenvolver da materialização do
corpo por meio do gênero, é necesário a ocorrência de atos de reiteração sobre
o corpo, assentindo na materialização de
gênero e, com o decurso desse processo por meio de atos e da linguagem, Butler
concebe os gêneros como performativos.
No qual, com a
binaridade entre corpos possuidores de órgão genital masculino, o pênis ou o
feminino, a vagina dar-se-ia a inserção da cultura de matriz heterossexual
através da disposição anatômica dos corpos. E segundo a autora, a questão da
inteligibilidade de gênero se dará pela coerência entre o sexo, gênero e a
sexualidade a ser desenvolvida, destacando que a performatividade irá confirmar a matriz heterossexual por meio do discurso normativo,
instaurado pela binaridade homem/mulher, através da parentalidade heterossexual.
Em que o corpo performatizado e as práticas culturais sustentariam os gêneros,
todavia, os corpos que não
irão se encaixar na binaridade, encontrar-se-ão como minorias excluidas,
que posteriormente formarão parte do Movimento Queer, que se desfaz das amarras
de enquadramento em qualquer tipo de categoria.
‘’Gêneros
‘’inteligíveis’’ são aqueles que, em certo sentido, instituem e mantêm relações
de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo. [...]
Produzidos pelas próprias leis que buscam estabelecer linhas causais ou
expressivas de ligação entre sexo biológico, o gênero culturalmente constituído
e a ‘’expressão’’ ou ‘’efeito’’ de ambos na manifestação do desejo sexual por
meio da prática sexual.’’[10]
O que Butler
denominará como heterossexualidade compulsória é aquela, produzida pela
categorização de sexo a partir da aparência ‘’natural’’ do gênero, ou seja, da
anatomia dos corpos, havendo uma compulsão que circundaria a concepção de
naturalidade na heterossexualidade, assegurada pela performance de gênero
inteligível na binaridade entre homem/mulher. Na qual, a performance seria uma
espécie de efeito das normas regulatórias como um ideal foucaultiano.
O discurso para a autora transpõe a esfera da fala e passa a
ser vizualisado também como ações, atos e comportamentos que demarcarão o
gênero. Ou seja, haveria um discurso performático por de trás da fundação das
identidades de gêneros, que se constituem no campo social,
reforçando o papel binário da matriz heteronormativa. As performances de gênero
na esfera social se estabelecerão relacionadas com a aparência física,
assegurando o caráter das performances de gênero
do corpo no espaço social,
reconhecidas dentro da lógica social regulatória. E ao não se enquadrar na
lógica corporal e de vigilancia comportamental-performática, há uma anomia como
estabeleceria o sociólogo Émile Durkheim, em que, há a perca de laços sociais
por uma exclusão ao não se enquadrar aos moldes determinados pela sociedade na
qual o individuo faz parte e deveria se integrar. Com isso, surge o Movimento
Queer, citado anteriormente, em que àqueles ‘’desajustados’’ encontram a
aceitação a não-padronização, por um grupo de pessoas que também fogem dessas
normas reguladoras.
O maior problema encontrado nessa matriz heterossexual reguladora seria
dado na relação do sujeito com a norma, que garantiria o cultivo de corpos de
sexos diferentes, mas com aparências naturais, inteligíveis devido à reprodução
dessas normas de forma inconsciente, pois houve uma incorporação dessas leis
disciplinadoras. Butler por fim, compreenderá que a construção de gênero a
partir de um enunciado performativo irá adquirir um papel citacional, regulando
as ações que irão aparentar determinada naturalidade. Abordando os
questionamentos acerca dos limites do discurso na construção dos corpos que não
se configuram na lógica heteronormativa de gêneros e de práticas sexistas
inteligíveis. Por fim, é compreensível que a autora aspire demonstrar que a
norma da matriz heterossexual ao ser construída, será problemática ao discurso
performativo em torno de gêneros inteligíveis.
A estética que vem sendo
utilizada nos videoclipes, performances em shows e aparições da Mother Monster, têm sido objeto de
discussão sobre sua sexualidade, a ambiguidade enigmática de seu corpo e seu
discurso emblemático a fizeram tornar um ícone queer. Por sua não-categorização
enquanto individuo inteligível, sua identidade de gênero será bastante
questionada por fugir às normas relacionais à coerencia entre sexualidade,
gênero e comportamento que prevê a binaridade homem/mulher.
Iniciando sua carreira desde
muito cedo, aos 19 anos em 2007, Germanotta assinou contrato com a gravadora Def Jam Recordings.
O contrato tornou-se breve, mas que durante esse período, juntamente com o
produtor RedOne, escreveria uma de suas primeiras canções, ‘’Boys Boys Boys’’ inspirada nas músicas "Girls, Girls, Girls" de Mötley Crüe,
e "T.N.T." de AC/DC. A canção composta por
Gaga e RedOne, possui um apelo sexual e um discurso no qual o sujeito será uma
mulher, e os homens aparecerão como objeto erótico, como podemos ver no
seguinte trecho:
‘’Watch your heart when we're together,
Boys like you love me forever
[...]Boys boys boys! We like boys in cars
Boys boys boys! Buy us drinks in bars
Boys boys boys! With hairspray and denim
Boys boys boys! We love them!’’
Mesmo com um discurso
feminista desde o início de sua carreira, assim como podemos observar com a
música acima, Lady Gaga disprovida de bases teóricas sobre o movimento
filosófico-político, afirmou a um jornalista norueguês em 2010, um
típico discurso fundado no machismo: "Eu não sou uma feminista. Saúdo os
homens! Eu amo homens!". Contudo,
por sua performance queer adotada posteriormente, será compreensível que sua
opinião tenha se modificado e recentemente, deu o seguinte parecer sobre o
feminismo:
‘’Eu realmente acho que há um novo feminismo
que é completamente diferente e eu não acho que qualquer um é melhor ou pior.
Qualquer tipo de feminista tem uma visão válida para si mesma sobre o que
significa ser feminista, mas como uma feminista da nova era, eu diria que gosto
bastante da transferência de força que eu sinto por me submeter a um homem. Eu
escrevi uma música sobre isto no meu novo álbum (ARTOPOP), ela se chama Guy.’’[11]
Lady Gaga, é exposta enquanto persona[12]
durante a representação de um papel e que ao mudar de ‘’figurino’’, irá de
acordo com suas preferências, assumir seu lugar diante da sociedade e sua ação
performática. Marcada pela negação de sujeito hegemônico, a ícone queer se
distingue em relação à sua sexualidade, aparência física e seu posicionamento
político, tornando-se uma representação subversiva ao formar valores
contra-hegemônicos a partir de seu discurso. A artista ao tentar se desviar das
categorias identidárias existentes, acabou por performatizar durante a
premiação do MTV Video Music Awards de
2011[13],
Jo Calderone. O alter-ego masculino da pop star, ou seja, o seu ‘’outro eu’’
iniciou sua performance em um monólogo, desenvolvendo atitudes masculinizadas
inspiradas no cantor folk, Bob Dylan,
que acabou confundindo os espectadores sobre a verdadeira identidade do
sujeito. Fazendo com que fosse retomada a problematização sobre seu gênero, e a
questão dela ser ou não hermafrodita ou uma transgênero, que terá uma resposta
da cantora no videoclipe de Telephone,
explicitado abaixo.[14]
A questão em torno
da identidade de gênero de Gaga pode ser comparada com a personagem, Herculine
que será recorrente na análise de Judith Butler em Problemas de gênero. Em que Herculine sendo hermafrodita, terá uma
posição transgressora à matriz homossexual, distanciando-se de determinadas
categorias normativas ao desnaturalizá-las. E que em Gaga surgirá toda essa
questão não somente por sua aparência física, seu corpo anatômico enquanto andróide
plastificada mas sim, por desenvolver uma postura performática de negação em
relação à binaridade de gênero homem/mulher.
‘’[...] A sexualidade de Herculine constitui um conjunto de
transgressões de gênero que desafia a própria distinção entre as trocas
eróticas heterossexuais e lésbicas, subestimando seus pontos de convergência e
redistribuição ambiguas.’’[15]
Em alguns de seus
clipes, a performer estiliza a pós-modernidade através da subversão de sua
aparência andrógena, a sempre presente ambiguidade de gênero. Podemos analisar
alguns clipes da Pop Star para uma melhor visualização de sua performance
subjetiva de representação, a partir do enfrentamento estético observável nas
representações de identidade sexual e antagônica ao gênero inteligível descrito
em Butler. Como viria a dizer Nancy Bauer em seu artigo, Lady Power, em que realiza uma análise sobre o feminismo presente
no discurso da cantora:
‘’There is nobody like Lady
Gaga in part because she keeps us guessing about who she, as a woman, really
is. She has been praised for using her music and videos to raise this question
and to confound the usual exploitative answers provided by ‘’the media’’.[16]
A performance
desenvolvida por Lady Gaga possui um caráter queer, no qual, ela se desvincula
de todos pressupostos característicos da cultura heteronormativa e sob a figura
de Mother Monster, estimula sua
legião de fãs a serem eles mesmos e se aceitarem mesmo em suas diferenças, na
tentativa de não se renderem ao discurso de padronização sexual e de beleza que
fomentam a sociedade, excluindo àqueles que são um desvio as normas hegemônicas.
Criando uma resignificação do discurso que causaria uma fragilidade em seus Little Monsters, que a partir disso,
tornar-se-ão fortificados e aceitando-se como seres abnegados em que ser um
desvio agora, torna-se algo reconhecível não de forma prejorativa, mas sim,
encontrando um grupo em que possa fazer parte, o de fã ou de queer.
Exemplificando com a música Born This Way[17],
recente hit da cantora composto juntamente com Jeppe Laursen, sintetiza todo o
discurso feito por Gaga.
‘’It doesn't matter if you love him, or capital H-I-M
Just put your paws up
'Cause you were born this way, baby
[…] There's
nothin' wrong with lovin' who you are
She
said, "'cause he made you perfect,
babe"
So hold your head up, girl and you'll go far
Listen to me when I say
[…] No
matter gay, straight or bi
Lesbian, transgendered life
I'm on the right track, baby
I
was born to survive
No matter black, white or beige
Chola or orient made
I'm on the right track, baby
I was born to be brave
I'm beautiful in my way
'Cause God makes no mistakes
I'm on the right track, baby
I
was born this way’’
Além do mais, não
somente a resignificação presente no discurso performático de Gaga, como a
questão da desmistificação da sensualidade é algo relevante em seu trabalho. Ao
final do videoclipe, a cantora faz uma referencia à Madonna e Michael Jackson,
outros dois ícones da música pop e que há uma principal rivalidade entre as
duas musas desse estilo musical. Madonna, cantora ícone da sensualidade latente
da década de 80 nos Estados Unidos da América. Pode-se-á ser comparada como digna
representante da 2ª onda do feminismo, enquanto Gaga, ícone queer, reconhecida
por sua androgeneidade, é determinantemente como uma chave desse movimento.
Entretanto, há várias discussões sobre essa comparação entre as artistas e
principalmente, pela comparação entre as performances. Em resposta ao
videoclipe Born This Way e Alejandro[18],
em que Lady Gaga faz uma ‘’homenagem’’ à veterana, Madonna[19]
em sua nova turnê, MDNA 2012, ao cantar Express
Yourself, emenda com a canção Born
This Way e por fim, She’s Not Me,
sendo bastante categórica sobre sua posição em relação à mais nova ícone do
panorama musical pop, principalmente na última música da sessão.
‘’[…] She's not me
She doesn't have my name
She'll never have what I have
It won't be the same, it won't be the
same […]
She's not me, and
she never will be.’’[20]
Camille Paglia se
posicionará em relação à discussão comparativa entre as cantoras, com uma forte
opinião, compartilhada por principalmente, feministas associadas à segunda onda
do feminismo, focadas principalmente na questão da igualdade entre os sexos e o
fim da discriminação de gênero. É válido lembrar o cenário que compõe a
sucessão de músicas da Madonna citadas acima, fazendo referencia à Pop Art,
característica do período da segunda onda, entre a década de 60 e o fim de 80 e
principalmente, ao símbolo do feminismo, “Rosie, the Riveter[21]” personagem criada com a finalidade de convencer às
mulheres trabalharem em indústrias bélicas durante a Segunda Guerra Mundial.
Assim, Madonna caracteriza-se como típica feminista da segunda onda, que lutará
pela resignificação do papel da mulher na sociedade civil, por direitos iguais
aos homens e principalmente, por trazer à tona a questão da sexualidade da
mulher, rompendo com o conservadorismo e polemizando ao abordar a questão da
bissexualidade que anteriormente era algo de grande restrição.
‘’Gaga has borrowed so heavily from Madonna (as
in her lastest video-Alejandro) that it must be asked, at what point does
homage become theft? However, the main point is that the young Madonna was on
fire. […] For Gaga, sex is mainly décor and surface; she’s like a laminated piece
of ersatz rococo furniture. Alarmingly, Generation Gaga can’t tell the
difference. Is it the death of sex? [...] Gaga, for all her writhing and posturing, is asexual.’’[22]
Em seus videoclipes
mais famosos, há um enfrentamento por parte de sua performance estética ao
representar as identidades sexuais como amorfas e antagônicas, construindo uma
espécie de transmutação corpórea, legitimamente uma figura andrógena. Ao
assistir o videoclipe da música Paparazzi[23],
single do álbum The Fame e vencedor
das categorias de Melhor Direção de Arte
e Melhores Efeitos Especiais no MTV Vídeo Music Awards de 2009, é
possível observar a simbiose dos sentimentos de amor e ódio. Essa relação dual
no clipe dar-se-á através da violência simbólica que a personagem de Gaga
sofrerá de seu companheiro, ao estar em uma situação de invalidez temporária,
ele então, subordina-a em caráter de inferioridade e que por fim, de forma
imprevista, a personagem abandona seu papel de vitimização e reifica o
discurso, no qual, passará a ser o sujeito da ação ao assassinar seu
companheiro. Produzindo uma inversão simbólica dos papéis inteligíveis que
pressupõe uma atitude fortificada ao encarregar a posição de sujeito ao homem e
subordinação às mulheres. E ao mesmo tempo, há uma mensagem de crítica à norma
de matriz heterossexual feita por Gaga, ao interpretar cenas erotizadas com um
homem e após, um beijo lésbico com mais duas mulheres, interpretando uma
performance completamente queer, na qual ela se caracteriza como àquele sujeito
que não se enquadra nos padrões instaurado socialmente.
Enquanto em Telephone[24],
interpretado por Germanotta e com participação especial de Honey B. ou mais
conhecida como Beyoncé, encarnarão papel de lésbica e pin-up respectivamente.
Ao inicio do clipe, Gaga aparece nua a fim de desmistificar seu suposto
hermafroditismo[25]
e que terá o seguinte diálogo entre as carcereiras ao ser presa;
‘’ - I told you she didn't have a dick!
- Too bad.’’
Afirmando assim, seu gênero feminino,
mesmo que inteligível aos padrões heteronormativos, uma espécie de sexualidade
disfuncional em que um indivíduo mesmo com um discurso erotizado possui um
caráter performático assexual[26].
Ambas pop stars interpretarão papel de delinquentes, apresentando uma profunda
independência em relação ao sexo masculino e que após um término de relação, a
personagem de Beyoncé irá se vingar com a ajuda de Gaga de seu ex-companheiro,
o envenenando através de alimento. Há por detrás desse tipo de envenenamento a desconstrução
da imagem simbólica construída sob a mulher, como aquela que cuida que
alimenta. Utilizando desse artifício para se vingar a um ‘’bad romance’’.[27]
É válido pontuar a performance
desenvolvida por Gaga durante o MTV Video
Music Awards de 2010[28],
ao surpreender por sua vestimenta produzida por carne. Seu look segundo a
cantora foi para ressaltar de maneira simbólica, a defesa de seus
direitos, e a desmistificação do ser mulher como apenas um ‘’objeto’’ ou um
‘’pedaço de carne’’ em sociedades cujo elemento central que a funda, é o
patriarcalismo. Segundo o filósofo
marxista, Slavoj Žižek, a
crítica introvertida de Germanotta em look, dar-se-ia de forma simbólica,
contra o patriarcalismo opressivo ao corpo de pessoas do gênero feminino,
retratando uma similaridade animalesca com a qual o homem devoraria a mulher, a
carne.
‘’Well, it is certainly
no disrespect to anyone that is vegan or vegetarian. As you know, I am the most
judgment-free human being on the earth. However, it has many interpretations,
but for me this evening... If we don't stand up for what we believe in and if we
don't fight for our rights, pretty soon we're going to have as much rights as
the meat on our own bones. And I am not a piece of meat.’’[29]
Lady Gaga ao criticar o
patriarcado, que segundo Carole Pateman, seria uma forma de contrato sexual
naturalizada e não formada socialmente, terá em sua performance um principal
questionamento acerca da questão do corpo nu perpassando o espaço privado ao
público. O corpo para a cantora seria um espaço apropriado simbolicamente para
um possível desprendimento da carne, sendo um local de possíveis ações
performáticas com infinitos conjuntos de significação a partir de sua
expressão. Por isso ela adota um visual camaleônico, modificando-se e
recriando-se constantemente.
Essa problematização acerca do gênero
no discurso da Mother Monster, por
sua não adoção a uma cultura hegemônica, demonstrará uma regularidade em não
manter um posicionamento permante diante de suas práticas e performatividades,
o que segundo Butler pressuporia uma coerência de gênero, que não estará presente
na cantora. A recorrência da temática sexual presente nos videoclipes e nas
letras de músicas, resaltarão a efemeridade do desejo e corpos materialmente
amorfos, que não se enquadram em normas regulatórias inteligíveis, por ter
influencias do movimento queer em seu discurso e à negação para com as normas
disciplinadoras de sexo/gênero.
Portanto, a identidade de gênero na Pop Star, possuirá um papel de
enunciar uma ética subversiva à inteligibilidade da matriz heterossexual.
Assim, negando a heterossexualidade compulsória que é aquela movida pelos
impulsos socioculturais, e por fim, transcorrerá para a zona simbólica fora
dessa heterossexualidade. Reificando as zonas queers, em que o sujeito será
performativizado através de identificações não identificáveis, lugar de pessoas
sui generis a todas as normas identidárias existentes, ultrapassando os limites
da inteligibilidade cultural. A transgressão da performance contra-hegemônica
de Gaga ampliará as políticas representacionais em posição de crítica às normas
disciplinares de formação identidária do sujeito, através da negação das
práticas homogenizadoras da sexualidade de matriz heterossexual, homem/mulher,
durante a construção de novos arranjos corporais e performático que se
distingua da tradicional binaridade.
Judith Butler
através de sua teoria de gênero, nos possibilita uma análise específica sobre
as característica que irão ratificar a identidade de gênero pautada na
binaridade produzida pela matriz heterossexual, para além da performance e da
aparência naturalizadora biológica. O questionamento proposto pela autora, é
para uma nova resignificação do sujeito da sexualidade que possibilitará
lugares para práticas performáticas, antes rejeitados e denominados como
patológicos por transcender às normas disciplinares de sexo/gênero inteligível.
Essa nova resignificação surgirá principalmente com o Movimento Queer, em que
os participantes são aqueles que subvertem à matriz heterossexual, incorporando
os homossexuais, intersexuais, travestis, transexuais, transgêneros, as dragg
queens e por fim, os bissexuais.
Rompendo com os
valores da cultura hegemônica heterossexual de uma sociedade falocêntrica,
contestando a lógica binária de gêneros através da subversão pelos queers.
Lady Gaga será
várias personas interpretadas e naturalizadas por uma, de performance em
performance ela se multiplica e passa de um sujeito inimaginável a uma super
estrela real. Stefani Germanotta, Lady Gaga, Mother Monster e Jo Calderone, as mil facetas da artista possuem
uma unidade, a de uma estrela. Seu modo de vestimenta, a nova moda lançada
através dela, pelos óculos grandes, chapéus pomposos, seus sapatos antes jamais
inimávinável e sua sexualidade questionável transformam Gaga em um ícone da
cultura contra-hegemônica, transformando algo fantasioso em uma personalidade
queer do pop. E seu corpo transpassará para o além do real, ainda que andrógeno
e algo de críticas. O imaginário,
o excêntrico e o onírico serão pela cantora sistematicamente convocados em um.
Universo surreal criado por ela a seus ‘’Little
Monsters’’ será uma síntese de humor, teatralidade e uma exacerbação do
simbólico.
‘’I'm a New York woman born to run
you down’’ GAGA, L.
[1]Movimento
artístico popular, que surgiu em meados da década de 50 nos Estados Unidos e
Reino Unido. Demonstrando em suas obras a massificação da cultura popular
capitalista e delimitando a transição entre a modernidade e a pós-modernidade
no Ocidente. O movimento influenciou Gaga de certa forma, que seu próximo cd
que será lançado no inicio de 2013 leva o nome de ARTPOP. Em matéria do Jornal
Folha de São Paulo é possível verificar mais detalhes sobre o álbum: http://bit.ly/PNdech.
[2] ‘’[...] a teoria queer propunha‑se a construir o espaço de desestabilização, subversão
e emancipação para os fenômenos relacionados com sexualidade e gênero, não mais
entendidos de forma linear e regular, mas antes instáveis, fluidos, tão reais
quanto imaginados, e sempre politizados. ’’ (SANTOS, 2006: 3-15)
[3]
Monstra Mãe (tradução livre)
[4]
Videoclipe de Bad Romance: http://www.youtube.com/watch?v=qrO4YZeyl0I
[5] Anexo 01.
[6] Livro
que ao ser publicado no Brasil, fora traduzido como Problemas de Gênero.
[7] (BUTLER, 2012: 09)
[8] Essas
percas, referem-se ao prisma psicanalítico e principalmente, ao Complexo de Electra
postulado por Freud, pela proibição de alguns desejos iniciais e com, a
formação do superego que servirá posteriormente como um bloqueio moral à
determinadas ações.
[9] (BUTLER, 2001: 167)
[10]
(BUTLER, 2012: 38)
[12] O termo
Persona, do latim, personagem ou
pessoa, segundo o psiquiatra Jung, o termo designa um aspecto da vida social
introjetado ao comportamento do individuo, caracterizando sua personalidade.
[13] A
performance de Gaga enquanto Calderone pode ser vista no seguinte link, http://www.youtube.com/watch?v=SkWoA25V4tQ.
(Anexo 02)
[14] Informações
retiradas da matéria de Eric Alt,‘’Who is
Jo Calderone?’’.
[15]
(BUTLER, 2012: 149)
[16]
(BAUER, 2010)
[18] Videoclipe
de Alejandro no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=niqrrmev4mA,
música composta pela própria interprete.
[19]
Vídeo sobre a sequência performática de Madonna sobre Gaga em sua nova turnê.
http://www.youtube.com/watch?v=bRnW4FfFfe0
[20]Trecho
de She’s Not Me, música composta pela cantora em conjunto com Pharrell Williams.
[21]
(Anexo 03)
[22](
PAGLIA, 2010)
[23]
Videoclipe de Paparazzi, música
composta por Germanotta e Rob Fusari:
[24]
Videoclipe do single Telephone: http://www.youtube.com/watch?v=GQ95z6ywcBY,
que possui uma complementaridade com a música de Beyoncé, que contém
participação especial de Lady Gaga, Video
Phone. (http://www.youtube.com/watch?v=CGkvXp0vdng)
[25] O
significado do termo hermafrodito segundo o Dicionário Aurélio é o seguinte, ‘’adj.
e s.m. e s.f. Diz-se de, ou ser humano, animal ou planta, que reúne em si os
órgãos reprodutores dos dois sexos. ’’
[26] A
sexualidade e à crítica a mistificação do corpo feminino aparecerá
principalmente em uma performance da Turnê Born
This Way de 2012, em que a cantora sai de dentro de uma gigante vagina
inflável. (Anexo 04)
[27]
Ao fim do videoclipe, aparecerá o símbolo do feminismo juntamente com a frase ‘’to be continued’’. (Anexo 05)
[28]
(Anexo 06)
[29]
Lady Gaga em entrevista para Ellen DeGeneres.
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